domingo, 6 de novembro de 2016

Giordano Bruno

Giordano Bruno



Daqueles que ficaram conhecidos como panteístas, o mais célebre é Bruno, de quem podemos destacar como representante da escola italiana procedente de Averroes.  Foi dito anteriormente que a maioria dos hereges e averroistas pertenciam aos franciscanos, mas Bruno era um monge da Ordem de São Domingos.  Sua história é bem conhecida, tendo sido recordado como um dos mártires da filosofia e da liberdade de crença.  Com o ardor de um propagandista ele viajou através da Europa para disseminar suas doutrinas.  Roma e Genebra o expulsaram sendo considerado como um professor perigoso, mas a Inglaterra e a Alemanha protestante permitiram que ele disputasse em suas universidades.  Ele foi favorecido pela Rainha Elizabeth e sua corte, mas conforme as extravagâncias de sua doutrina tornaram-se mais conhecidas, ele foi compelido a deixar seu amparo hospitaleiro.  Em Florença, ele foi vítima da Inquisição.  Depois de um encarceramento de seis anos, ele expiou suas heresias na presença dos cardeais e dos mais ilustres teólogos de Roma.  Bruno estava totalmente ocupado com o que Erígena chamava de a mais alta especulação.  Em Oxford ele declarou-se como o professor de uma mais perfeita teologia e de uma sabedoria mais pura do que a que tivera sido ensinada ali.  Como Erígena ele experimentava harmonizar essa “mais perfeita teologia” com o ensino popular teológico.  “Eu defino”, ele diz, “a ideia de Deus, ao contrário do vulgar, mas não por essa razão, oposta ao vulgar.  É uma ideia apenas mais clara, mais desenvolvida.” Julgado meramente por sua teologia, Bruno foi intitulado como cristão, não menos do que Erígena, mas ele não era tão reverente.  O grande nascido de Erin nunca esqueceu que ele era um cristão bem como um filósofo, enquanto que o napolitano é simplesmente um especulador, ansiando aparentemente um pouco mais do que a reputação de ingenuidade e fazendo um acontecimento do seu ensino.
O princípio da sua filosofia é a infinitude do universo.  Um discípulo de Copérnico, ele negava a imobilidade da Terra e com isso também perecia todo o pensamento do universo tendo um centro ou uma circunferência.  O enunciado de Hermes Trimegistus às vezes concernente a Deus e, às vezes, concernente ao mundo, estava continuamente em seus lábios.  “O centro é aqui e a circunferência em nenhum lugar.” Bruno dizia isso de Deus, apenas porque era concernente ao universo.  O infinito é realizado em sua criação visível na imensidão do espaço celestial.  A natureza é nada mais do que uma sombra, um fantasma, o espelho no qual o infinito traz a imagem de si mesmo.  As bases de todas as coisas estão na mente, não na matéria.  A criação não apresenta meros traços ou pegadas da divindade, mas a divindade ela mesma em sua onipresença.
Nós somos compelidos a acreditar que Deus é.  Isso é uma verdade tão primeira, tão óbvia à razão e tão açambarcante na sua evidência, que não podemos escapar de percebê-la.  O universo visível é um efeito, ele deve ter uma causa.  Os mundos foram todos compostos e eles podem todos ser dissolvidos.  Como não podíamos dar a eles existência, deve haver um princípio primeiro do qual eles vieram.  Esse princípio dever ser infinito e ainda um.  Embora a razão possa nos impelir à conclusão de que há um Deus, isso não pode parar por aí.  Ela deve perguntar o que é Deus?  Quem é ele?  E como ele está relacionado com o infinito visível? Há aqui dois termos logicamente diferentes, a unidade primitiva e manifestada na natureza ou a criação visível.  No discurso popular eles são espírito puro e matéria, mas em sua essência, eles são apenas um.  O intervalo entre eles é mediado por um intermediário.  É a alma-mundo que é Deus e com a qual se resume como matéria.  Como uma voz que traz uma esfera onde ressoa sem se perder, desse modo, essa alma-mundo se torna uma essência da matéria sem cessar de ser Deus.  Essa é a busca de toda vida em geral no mundo manifesto em diferentes níveis de acordo com a hierarquia das criaturas, o maior ser formado na mente ou na alma.  Deus transcende o mundo. Contemplá-lo em seu caráter transcendental é o objeto da religião, mas encontrá-lo nas formas e existências do universo é a vocação da filosofia.  Lá ele é refletido em toda a sua perfeição, tanto que a contemplação do universo infinito é a necessidade da contemplação de Deus.
Para entender isso totalmente nós devemos inquirir na natureza, o princípio e a causa.  Um princípio é uma fundação intrínseca; uma razão eterna de uma coisa – a única busca da sua existência potencial.  Causa é a base exterior, a busca da existência atual e presente de um objeto. Por exemplo, matéria e forma estão unidas juntas no caminho de mutuamente sustentar uma à outra.  Causa, ao contrário, é exterior ao efeito e determina a realidade externa de um objeto.  O que é um instrumento para um trabalho ou o significado para um fim, a causa é para o efeito.  As causas são de três tipos, a eficiente, a formal e a final.  A causa eficiente do universo é o Ser que age sempre e em todo lugar, a inteligência universal, ou a faculdade principal da alma do mundo.  É o poder inconcebível que permeia e ilumina tudo, que guia a natureza na produção de todos os seus trabalhos.  O que é a faculdade de pensar no homem para a geração de ideias, é a alma mundo para os trabalhos da natureza.  É o que Pitágoras chamava do que move o mundo; Platão, o arquiteto do universo; o mago, a origem de todas as origens, o que por suas formas impregna e frutifica a matéria.  Orfeu chamou de o olho do mundo porque penetra em todas as coisas e porque sua harmonia e desenvoltura proporcionais são encontradas em todos os lugares.  Empédocles chamou de o discernente porque ele desenvolve o que é confuso e envolve no seio da matéria e da morte.  Para Plotino é o pai, o gerador, desde que ele distribui os germes e dispensa as formas com as quais o campo da natureza é total e pela qual é animada.  “Nós”, diz Bruno, “chamamos de o artista interior.”  Ele é aquele que dá forma à matéria, que expele a raiz e a grama, os troncos e os gomos; dos gomos, os galhos; dos galhos, os ramos.  Ele dispõe e acaba no tecido mole das folhas, as flores e o fruto.  De novo, voltamos aos sucos das frutas, as flores, e das folhas aos galhos, dos galhos, aos gomos e, dos gomos, às raízes.  O que o trabalhador do interior perfaz nas plantas, ele faz também nos animais.  Os trabalhos da natureza mais manifestos do que os nossos que são os trabalhos da inteligência.  Nós praticamos na superfície da natureza.  Nós podemos produzir qualquer trabalho ou invenção até onde a mente trabalha conosco.  Agora, para os nossos trabalhos, necessitamos de inteligência, o quanto mais de uma inteligência é necessário para os trabalhos vivos da natureza?
A alma-mundo é, de uma só vez, interior e exterior, razão, princípio e causa ao mesmo tempo.  Um piloto numa embarcação segue os movimentos da embarcação.  Ele é parte da massa que está em movimento; e, ainda, como ele é capaz de mudar o movimento, ele aparece como agente que age por si mesmo.  Desse modo, é com a alma-mundo.  Ela penetra e vivifica o universo.  Ela constitui a vida universal.  Ela aparece como uma parte; o interior e a parte formal do universo.  Mas ela determina todas as formas e organizações com suas relações mutantes, ela assume a hierarquia de uma causa.  Toda forma é o efeito de uma alma.  Ela é alma na sua expressão viva.  Não podemos conceber nada que não tenha forma.  A mente sozinha é o estado de formação.  Não há nada tão dos sentidos, nem tão vil que não contenha a mente.  A substância espiritual, a fim de se tornar uma planta ou um animal, precisa apenas de uma relação própria.  Não quer dizer, contudo, que seguir a alma seja a essência de todas as coisas, e que o pensamento vivo permeia tudo, que tudo é nada mais do que uma criatura viva.  Os produtos das nossas artes, por exemplo, não são formas vivas.  Uma mesa, até onde é uma mesa, é inanimada; mas desde que deriva de matéria da natureza, é em consequência composta de partes vivas.  Todas as coisas materiais tem forma nela, a qual é a essência que sustenta o pensamento que essas partes são elas mesmas sujeitas à mudança contínua.
A substância do que Bruno tem a dizer, embora tenha se estendido em muitos volumes, pode ser colocada em poucas palavras.  Ele conectara sua teologia com o sistema de Copérnico; mas consiste, em realidade, na ideia que nos é familiar hoje - de que a concepção do infinito é a concepção de Deus. Sua substância não é dupla, corpórea ou espiritual, mas em sua essência e raiz, simplesmente uma, tal que Deus é todas as coisas.  Multiplicidade e diferença são o resultado de combinações ou alterações, a substância sendo sempre a mesma.  Pitágoras é citado como conhecedor disso, tendo uma vez dito que não temia a morte, porque ela era apenas uma mudança.  Bruno é geralmente representado como o seguidor de Espinoza; mas não há nada em seus trabalhos que dê a ele esse título.  Uma colocação mais justa é vê-lo como um restaurador das doutrinas antigas que ele reproduz com vivacidade e, algumas vezes, com excentricidade, mas com pouca originalidade.  Ele apenas repete Aristóteles, como tem sido interpretado pelos averroistas.  Ele se opôs aos professados discípulos de Aristóteles em seu tempo; mas esses foram os discípulos de Aristóteles, “o lógico”, não do Aristóteles, “o metafísico.”


Livre tradução do livro Pantheism and Christianity de John Hunt, 1884 . Capítulo IX . A Renascença italiana . Giordano Bruno 

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