Livro "Aurora Boreal de Meus Versos" de autoria da minha amiga poetisa e confreira Bartira Mendes Costa, que eu tive o prazer e a honra de escrever o Prefácio.
Poesia de alta qualidade que toca o coração de todos em muitas dimensões.
Prefácio
Deus e
sonho...
Sonho e Deus...
Representativos
são o agradecimento (a Deus) e a dedicatória (aos que não
desistiram de seu – próprio – sonho) de uma convicção da
autora na simplicidade. Sua poética é fruto de um labor na vida,
pela vida e com a vida. Bartira Mendes não se deixa viver sem
esperança; nela tudo é “crescimento interior”, é amor que se
desprende do estado bruto amoroso e a faz “mergulhar na fé”.
Com uma pureza de consciência, no entanto de que “Nesse mundo
desencantado / Diluído pela individualidade / E valores
distorcidos”, o viver, o viver verdadeiramente, é tão difícil
que é necessário considerar a fé como ofício de vida, como ação
diária, na qual a religião pode estar presente, mas que o presente,
este sim, está sempre sendo experimentado, acima de tudo.
Esta
simplicidade se liga diretamente às escolhas das palavras nos seus
versos. Não existem, como coloca Domingos Carvalho da Silva em “Uma
Teoria do Poema”, palavras poéticas ou antipoéticas. Passam a ser
poéticas ou antipoéticas, quase sempre, quase todas, no corpo do
poema, no texto do poema. Como diz, L. S. Harris, “grande parte da
mais importante poesia inglesa foi inteiramente elaborada com
palavras que o povo usa no dia-a-dia da fala comum.” Assim, talvez
não seja na nossa língua portuguesa, mais tardia nos ventos da
modernidade, ao longo da história, em alguns aspectos... Porém é
certo que a erudição pela erudição, ou o rebuscado pelo rebuscado
não produzem poesia de qualidade, por si só, de jeito nenhum.
Disto sabemos... E Bartira Mendes parece ter este objetivo em mente,
o de demonstrar esta questão quando se debruça no seu trabalho
poético. Sua poesia poderia ser declamada pelo padeiro da esquina
sem muito esforço de memória deste amigo nosso que nos traz o pão
quentinho todos os dias. Mas nem por isto faz concessões à
qualidade. Pelo contrário. Dir-se-ia que é por este “canto por
todos os cantos” – que todos podem cantar – que o seu universo
literário canta “As dores e as alegrias / Que o estar viva,/ Já
me traz /” e que primam pela qualidade exatamente por causa disto.
O viver e o poetizar se mesclam na medida do respirar. Bartira
respira poesia... Além disto, a escritora não tenta passar uma
tese, ou uma teoria, como poderia sugerir algumas das minhas
explanações anteriores. Quando digo que a poetisa tem “o
objetivo de demonstrar esta questão”, quero dizer apenas que, do
âmago do seu ser, é movida pelo singelo, pela sensibilidade que a
leva a espalhá-los a todos, sem exceção. Logicamente, trazer a
massa dos indivíduos, dos espectadores, do leitor médio – sem
arcabouços literários maiores na sua bagagem de leitura prévia –
não é tarefa fácil. A linguagem simples – sintética e não
simplória – é uma arma fatal que Bartira usa com maestria.
Maestria essa que não se torna banal, de maneira nenhuma. Antes
funda um mito ou um sistema simbólico: “Conversa vai / Conversa
vem / De tudo se fala / Do muito se tem, / Conversa vai / Conversa
vem / Aceito o desafio / De entre uma palavra e outra / Gritar meus
sentimentos / Que mesmo sem rimas / Viram poesias / E de poesia em
poesia / Cantam o nosso amor.” Uma simples metáfora pode originar
um mito, como diz Max Müller, “a doença mitológica da
linguagem”. Mito da imaginação coletivo ressignificado pela
poetisa em sua criatividade individual reflexiva. E que mito não é
“o cantar do nosso amor”? Como diz Domingos Carvalho da Silva:
“Há dois milênios o cordeiro é o mesmo símbolo de Cristo; o
teatro não usa máscaras há muitos séculos, mas eles continuam a
simbolizá-lo.”
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É certo que a rima não é fenômeno puramente fonético nem
puramente ornamento. Tem função de elemento rítmico e estético no
poema. Mas os versos brancos e livres, tão praticados no Brasil
após a Semana de Arte Moderna de 1922, até 1945, continuaram – e
continuam – após isto, tendo sido chamados pós-modernistas, para
deleite dos leitores brasileiros e do mundo inteiro. E possibilitam
inumeráveis construções em ritmo, que se não obedecem a métrica,
obedecem a uma lógica interior própria, onde os versos sem rimas
nos levam a um êxtase peculiar de cada peça poética. Assim são
os poemas de Bartira Mendes. “Nem ontem / Nem amanhã”, poema
representativo no qual está a chave para o entendimento de sua
poética, visto que, no hoje, no agora, estamos nós. O momento
presente que nos apresenta a verdade: não existem passado e futuro.
Um já se foi e o outro não veio ainda. O sentido espiritual desta
descoberta é, a um só tempo, “o saborear a vida” e a “coragem
de enfrentamento” da vida mesma, cujos frutos nos trarão
consciência e discernimento.
Uma “intuição poética natural” conforme diz Greimas, a
respeito de uma poética naive que se faz presente em todos, de uma
maneira ou de outra, é levada às últimas consequências pela
poeta. E mesmo se não considerarmos inteiramente esta tese, sabemos
que nos remotos inícios da eternidade dos seres que antecederam toda
forma de civilização – e até de humanidade – que hoje
conhecemos como tal, os povos (lemurianos e atlantes, quem sabe?) –
só se comunicavam em versos ou quase sempre em versos. De modo que
há um arcabouço poético em nosso DNA de cada um e de todos. A
repetição rítmica e as relações entre a repetição e o
significado, estruturam a base de sua poesia, na qual a intuição é
mola mestra e o poeta, como queria Yeats, “a voz superior da
consciência.”
A função da poética de Bartira Mendes é revelar e acordar, é
conscientizar e clarificar, é mostrar e demonstrar, mas, ao mesmo
tempo, sua poesia não tem outra função que não a de ser poema,
puramente poema, para ser lido e nada mais. Não que seja Torre de
Marfim, do poeta recluso em sua poesia pura, mas que tendo
consciência de que a militância na poesia política e/ou
panfletária de qualquer ordem ou matiz, não configuram qualidade,
necessariamente, apenas servem a ditames ideológicos, muitas vezes,
sabe do inefável em poesia de modo único. Bartira Mendes, pratica
por assim dizer, uma reflexão dos sentimentos, passionalmente
lúdicos, em sua grandeza de arte literária.
Deixo o leitor a sós com estes 50 poemas da poetisa Bartira Mendes
Costa, escritos sob o signo do agora, do instante no presente, sem
mais explicações ou adendos que não se fazem necessários. A
poetisa com “Um Gole de Lucidez” apresenta por si própria a sua
poesia particular nos versos que detêm, cada um, seu peso estético,
sensível e afetivo em medidas generosas. Com a simplicidade de quem
sabe onde está pisando.
Deus e sonho...
Sonho e Deus...
São Gonçalo, 25 de novembro de 2018
Mauricio Duarte
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