Ángel
Muriel e o Método Infinito de Criação Plástica
Toda
arte verdadeira é uma mirada individual, particular, única da
realidade. O que seria perda de identidade para um artista, é ganho
de autenticidade para outro artista. Porém, quando vejo as pinturas
de Ángel Muriel penso na desumanização de um livro como O Homem
Duplicado de José Saramago ou nas formas impessoais de uma
escultura como Cabeça de Giacometti, ou ainda, nos volumes
sintéticos da escultura Figura Reclinada de Henry Moore. Quem sabe,
o rememorar da despersonalização de uma fotografia como Aguila
degli Abruzzi de Henri Cartier-Bresson?
A despeito dessas elucubrações ou lembranças, é
preciso dizer que para além de meras colagens e citações de
universos literários, escultóricos ou fotográficos, o trabalho de
Ángel Muriel é peculiarmente original, subjetivamente dele, sua
contribuição para o mundo da arte, irredutivelmente irrepetível.
O que norteou o artista sempre foi a busca incessante
pelo seu universo formal próprio. Tanto é que criou o Método ou
Sistema Infinito de Criação Plástica por volta de 2004, em
pesquisa na Fundação Pollock-Krasner de Nova York, como resultado
de intensa e continuada elaboração em seu trabalho artístico.
Numa pesquisa “paciente e amarga”, nas palavras do próprio
Muriel, com ensaios, testes e tentativas que acabavam, muitas vezes,
em falhas, o artista concebeu o MÉTODO. Este Sistema de Criação
Plástica Infinito consiste em planos feitas segundo as regras do
Método que “passam a ser como fatias cortadas do mesmo e único
pão.” Um único pão que é feito com a mesma farinha, paisagens
de homens, paisagens humanas, sendo cada uma representada por fatias
como mundos “paralelos que justapostos e conectados em série e
entre si, eles fazem parte de outro universo maior que os contém em
uma sucessão infinita.”
Não seria exagero chamar Ángel Muriel de um “Novo
Renascentista”, como no dizer de Margaret Lobenstine, com
“múltiplos interesses”, já que o artista admira os grandes
gênios do Renascimento e do Barroco, ao mesmo tempo; passando por
Michelangelo, Leonardo, Rafael, Ticiano, Caravaggio, Rembrandt e
Velásquez e chegando a Goya, bem como Lautrec, Modigiliani, Van
Gogh, Gauguin e Cézanne. Acima de tudo, os dois grandes: Picasso e
Matisse, nesta ordem.
Musicalmente, o artista vai de preferências tão
majestosas quanto Monteverdi até o gênio de Heitor Villa-Lobos.
Sendo que Muriel realizou parceria com a musicista Margaret Maria em
vários vídeos no You Tube com o título “ART IN DIVINE HARMONY”.
Entretanto, mesmo as influências dos surrealistas,
como Dali, Tanguy, Chirico e Magritte, não são decisivas para
Muriel. Seu estilo e concepção artísticas são, conforme já
disse, extremamente novos e autênticos.
Em
sua obra O Grito e o Medo (The Scream and Fear), o criador molda a
paisagem humana utilizando com maestria rostos ou massas que lembram
rostos, elaborando olhos fugidios, soslaios e olhadas desconfiadas ou
terrificadas de pavor, acomodadas no torpor do medo, ou gritando de
terror. Relances de olhares que, ao não dizer sequer uma palavra, já
dizem tudo.
Já na sua obra Babel, um conjunto de extensos grupos
de figuras sem rostos singram de um lado para outro, enquanto um
cidadão, acima e à direita, muito bem vestido de terno e gravata,
junto com chapéu (e dono de um único olho!) observa atento um lado
segurando atônito seu sobretudo. Uma diversidade de tempo e espaço
multitudinários convergem, divergem e se tornam paralelos, ao mesmo
tempo e no mesmo lugar. Como entendeu Borges, “uma cultura isolada
é uma cultura condenada a desaparecer”. A Biblioteca de Babel é
onde todos os homens se confundem e onde todos os homens que repetem
Shakespeare, são Shakespeare. As cidades são todas e uma só,
também confundidas, numa paisagem surrealmente caledoscópica.
Em A Descida, vemos o humano em Jesus, sendo retirado
da crucificação. Como que horrorizado com o escândalo de uma
nádega à mostra, ele abre a boca, olhando para o alto e mostra com
o braço, o achado pictográfico quase no meio da composição. Este
Cristo é amparado por sua Mãe, Maria que olha para o homem da cruz,
como que dizendo, “estou aqui, Meu Filho”. Mas a expressão de
dor trágica do Salvador não dá margem para mais muita coisa, a não
ser estupefação e desespero. O estilo é o mesmo de outras obras
de Muriel, o Método, gerando figuras, ainda com alguns rostos, mas
“devidamente paisagísticas”, paisagem humana.
O artista plástico, que tem uma paleta de cromatismo
sóbrio e refinado, cria um universo de gamas de cores pardas, ocres,
cinzas, verdes e azuladas, colocadas com veladuras e efeitos
cromáticos suntuosos e de grande beleza. Essas cores o identificam
como artista, como se identifica uma pessoa por suas feições, sendo
algo único e personalizado.
Em suma, Ángel Muriel, no seu Surrealismo Gótico ou
Biomórfico, como querem alguns críticos, gera um novo universo
artístico, prenhe da filosofia dos pré-socráticos gregos e da
filosofia monista materialista, em sua versão plástica, imagética.
A conexão do seu Método com a física quântica, o multiverso e os
mundos paralelos são muito mais do que uma mera hipótese física,
são, para Muriel, realidade fragmentada, sucessão interminável de
formas numa continuidade do espaço infinito.
Mauricio Duarte
13-03-2020
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