Academia Virtual de Letras António Aleixo
Patrono: Frei José de Santa Rita Durão
Acadêmico: Mauricio Duarte
Cadeira: 39
Acadêmico Vitalício
"XL
Disse o grão-Chefe assim, e entre os furores,
Com a mão, que já tinha levantada,
Bate na espádua aos Príncipes maiores,
E dá-lhes Orfu dizendo, uma palmada:
Uns nos outros as deram não menores,
Que assim se incita a multidão armada:
Vinguemo-nos, (gritando) companheiros,
Bem que foram seus raios verdadeiros.
XLI
Jararaca depois (que é Sacro rito)
Lança furioso as mãos a quanto abrange;
E abrindo a enorme boca em fero grito,
E escuma, e freme, e ruge, e os dentes range;
Como do mal Hercúleo o enfermo aflito
A convulsão a retroceder constrange:
Depois falando aos Príncipes, bafeja,
E o espírito de força lhe deseja.
XLII
Cerimônia esta foi do pátrio uso,
Vestígio nacional da antiga idade;
Que acaso corrompeu mágico abuso,
Tendo talvez princípio na piedade:
Retumba do marraque o som confuso;
E pondo em alto o seu, com gravidade,
À insígnia, no chão tudo se inclina,
Como a final de cousa mais Divina.
XLIII
Corresponde o belígero instrumento
Da feral frauta ao bárbaro marraque;
E promulgando a marcha àquele acento,
Tudo em ordem se pôs ao fero ataque:
Marcham contra Gupeva, com intento
De meter nas cabanas tudo a saque;
E porque tudo assombrem com terrores,
Rompem o ar com bélicos clamores.
XLIV
Em tanto no arraial do bom Gupeva,
Sendo a invasão noturna rechaçada,
Convocam-se reclutas, fazem leva
De Tropa nacional, e da aliada.
Enquanto Diogo, a quem a ação releva,
Toma na gruta a pólvora guardada,
E em vários fogos, que arrojou volantes,
Imita o raio em bombas fulminantes.
XLV
Era a Bahia então, donde imperava
O bom Gupeva, povoada em roda,
Pelos Tupinambás, de quem contava
Trinta mil arcos, brava Gente toda:
Taparica seis mil valente armava;
E por cumprir-se a prometida boda,
Mil Amazonas mais à guerra manda:
Paraguaçu gentil todas comanda.
XLVI
Paraguaçu, que de Diogo Esposa
(Porque mais Jararaca se confunda)
Ia a seu lado a combater briosa,
Nem teme a multidão, que o campo inunda:
Usa com ela a Tropa belicosa
Da vulgar seta, do bodoque, e funda;
Leva a Amazona um rígido colete,
E co’a espada de ferro o capacete.
XLVII
Com estas forças só (que mais recusa)
Sai Diogo à campanha guarnecido,
Nem sofre a forma do marchar confusa;
Mas tudo tem com ordem repartido:
Outro corpo maior de que não usa
Deixa em guarda das Tabas prevenido;
Tupinaquis, Viatanos, Poquiguaras,
Tumimvis, Tamviás, Canucajaras.
XLVIII
Não mais de duas léguas adiantando,
O arraial se alojava de Diogo;
Quando o ardente Planeta vai queimando
A tórrida região com vivo fogo;
E enquanto expira no ar Zéfiro brando,
Buscando numa sombra o desafogo,
Medita a grande ação, mede o perigo,
Nem despreza por bárbaro o inimigo.
XLIX
Vê bem que espanto causa a invenção nova;
Mas que o tempo consome a novidade;
Tem fim um peito d’aço feito à prova;
Mas vendo do inimigo a imensidade,
Por mais que balas o mosquete chova,
Reconhece em vencer dificuldade;
Tendo notado já na bruta Gente,
Que era tão contumaz, como valente.
L
Pensava assim com reflexão madura,
Quando à roda do outeiro divisava
Densa nuvem de pó, que em sombra escura
A multidão confusa levantava:
Não cessa um ponto mais: tudo assegura,
E sem temer a turba que observava,
Marcha a ganhar o alto; e posto à fronte,
Deu à Tropa em cordão por centro o monte.
LI
Já se avistava o bárbaro tumulto
Das inimigas Tropas em redondo;
E antes que empreendam o primeiro insulto,
Levanta-se o infernal medonho estrondo:
Os marraques, uapis, e o brado inculto
Todos um só rumor, juntos compondo,
Fazem tamanha bulha na esplanada,
Como faz na tormenta uma trovoada."
Trecho do livro "CARAMURU" de autoria de Frei José de Santa Rita Durão
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