quinta-feira, 19 de maio de 2022

"DOIS CARAMURUS: UM ESTUDO DE ADAPTAÇÃO LITERÁRIA"




"DOIS CARAMURUS: UM ESTUDO DE ADAPTAÇÃO LITERÁRIA

TWO CARAMURUS: A STUDY OF LITERARY ADAPTATION

Dílson César Devides
Resumo: Este artigo estuda o resgate do épico brasileiro Caramuru, de Santa Rita Durão, por meio de suas adaptações, especificamente a feita pelo português João de Barros, em 1935.
Mostra como o adaptador lidou com a linguagem e a estrutura do texto, como pensou no público-alvo e como seria a recepção de sua obra.
Palavras-chave: Adaptação. Epopeia. Santa Rita Durão. Caramuru.
Abstract: This paper studies the rescue of the Brazilian epic poem Caramuru, written by Santa Rita Durão, through its adaptations, specifically the one made by the Portuguese João de Barros
in 1935. It shows how the adapter dealt with the language and the text structure, as he thought the target audience and how would be the reception of his work.
Keywords: Adaptation. Epic. Santa Rita Durão. Caramuru.
Sobre adaptações
Obras adaptadas não são, normalmente, vistas com bons olhos por aqueles que defendem a primazia do original. Certamente que se uma obra literária foi concebida para ser uma novela, ela deve ser lida, criticada, apreciada como tal. O que levaria então alguém a ler
uma adaptação? Um dos motivos poderia ser o fato de que a obra foi escrita em uma língua que o leitor não domina e, não havendo uma tradução (que conservasse o gênero textual, a estrutura narrativa etc.), restou-lhe a adaptação. Vendo por este prisma, a adaptação seria, de fato, algo menor. Mas se pensar que a adaptação foi concebida para o público infantil, por exemplo, que não teria como ter acesso ao original mesmo que fosse escrito no mesmo idioma das crianças em questão, e que não teria competência para lidar com o linguajar mais denso e elaborado de um texto para adultos, possibilitando assim que leitores em formação, já cedo em sua vida literária, tomassem contato com textos fundamentais da literatura, a adaptação passaria
a ser um instrumento de valor inestimável. Em outras palavras, rechaçar uma obra adaptada pelo simples fato de sê-la é uma atitude, no mínimo, precipitada; pois “o ato de adaptar uma
obra para determinado público não deve caracterizar um procedimento condenável em si mesmo” (FARIA, 2008, p.36).
Possibilitar que crianças em início de alfabetização possam ter contato com texto como Dom Quixoteou a Odisseia, que jovens desinteressados por livros possam apaixonar-se por Machado de Assis depois de ler algum de seus contos transformados em história em
Doutorando em Letras pelo IBILCE/Unesp. Mestre em Letras pela UFMS. Professor da FATEC LINS/BAURU
– CEETEPS. E-mail: dilson.devides@fatec.sp.gov.br
Ribanceira - Revista do Curso de Letras da UEPA
Belém. Vol. VI. Num.1. Jan.-Jun.2016
[ISSN Eletrônico: 2318-9746]
quadrinhos, que obras esquecidas voltem a ter o merecido destaque depois de serem transpostas para a televisão em uma minissérie ou que escolares em véspera de exames possam
compreender um pouco do enredo de uma obra ao jogar sua adaptação para videogame; são aspectos louváveis das adaptações em suas mais variadas realizações, pois facilitam a apreciação de textos complexos e quebram possíveis barreiras que os jovens possam lhe haver imposto ante o texto literário. “Assim, a adaptação de obras ao gosto dos jovens seria a solução
ideal para resolver o problema deles em relação à falta de interesse e preparo intelectual”
(FARIA, 2008, p.38).
É um erro já bastante discutido imaginar que o adaptador é alguma espécie de usurpador da obra alheia, que rouba uma ideia e tira vantagem dela. Seria ignorarmos aquilo que Borges (1989) nos dizia em relação aos precursores. Dito de outro modo, para muitos a adaptação seria precursora da obra original, uma vez que foi por meio dela que tomaram conhecimento do texto que, cronologicamente, veio primeiro. Dessa forma, ao adaptar uma
obra, está-se criando novos caminhos para aceder ao original, cabendo ao adaptador “[...] o papel de mediador entre o leitor [...] e a obra literária original” (VIEIRA, 2010, p.29). A adaptação objeto deste estudo dá-se de texto literário para texto literário, não
envolvendo as diferentes mídias hodiernas, as quais Linda Hutcheon faz referência em seu Uma Teoria da Adaptação, destacando os diversos modos pelos quais ocorre a transcodificação de um texto quando é adaptado para o teatro, cinema, tevê, jogos digitais e afins, ou mesmo se o caminho for inverso, um jogo é adaptado para literatura, por exemplo. A isso ela chama de intersemiótico, uma vez que “[...] essa transcodificação implica uma mudança de mídia” (2013,
p.61), já que se mudaria o meio de expressão pelo qual a adaptação teria suporte. No texto em questão não há tal transcodificação, uma vez que tanto o original quanto o adaptado
permanecem no âmbito da literatura impressa. As alterações que se dão se explicam, dentre outros motivos, pela ideia “[...] de que a adaptação não precisa ser rígida em seus moldes. Pode-se mudá-la em sua totalidade e gênero, desde que se mantenha sua essência, com a finalidade de aproximar o leitor iniciante do universo literário [...]” (VIEIRA, 2010, p.30).
A adaptação é, portanto, um trabalho autoral, no qual se vê as marcas do adaptador. É também um trabalho importantíssimo se se pensar em suas aplicações didático-pedagógicas.
Em suma, as adaptações precisam e devem ser valoradas como produto da cultura letrada, que amplia os horizontes culturais para os mais diversos suportes midiáticos, possibilitando assim,
uma convergência cultural bem ao gosto de Martín-Barbero e Henry Jenkins.
29
BORGES, J. L. Kafka e seus precursores In: Outras inquisições. São Paulo: Globo, 1989.
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Se uma obra é rotulada de adaptação, é evidente que tenha se pautado em outra que seria a original. Faz-se então necessário recorrer a esta que foi, de alguma forma, geradora da segunda, a adaptada, e cotejá-la suficientemente para se ter os subsídios necessários ao posterior exame da adaptação. Portanto, passa-se ao épico de Durão.
O CARAMURU, de Santa Rita Durão
Estudar a história da literatura de um país é uma forma muito válida de ser ter um amplo panorama do modo pelo qual aquela pátria registrou, pela arte da palavra, os diversos momentos pelos quais passou. Nesse estudo, depara-se com obras e escritores conhecidos, estudados e lidos com frequência e com outros que por algum motivo caíram no esquecimento. Basta folhear a História concisa da literatura brasileira, de Alfredo Bosi, para encontrar autores tidos como canônicos (Machado de Assis, José de Alencar, Carlos Drummond de Andrade, para ficar apenas em três exemplos) e outros que praticamente sumiram das prateleiras das livrarias, dos bancos escolares e dos estudos acadêmicos, como o barroco Diogo Grasson Tinoco, o árcade Francisco de Melo Franco e o romântico Aureliano Lessa. Outros ainda lograram algum destaque por terem desempenhado importante papel histórico, como Bento Teixeira, autor de Prosopopeia, obra inaugural do Barroco brasileiro; e de Teixeira e Souza, autor de O filho do pescador (1843), primeiro romance romântico brasileiro.
O Caramuru, de Frei José de Santa Rita Durão, é uma obra de valor e reconhecimento controversos. Alguns críticos veem nela apenas valor histórico, como Waltersin Dutra ao afirmar que “[...] o Caramuru sobrevive ainda apenas pela sua posição histórica: foi o primeiro a tomar como motivo uma lenda local, a falar no índio brasileiro e a descrever seus costumes”
(1968, p.349). Outros, como Antonio Candido (1976, p.187), acreditam que o épico de Durão é pouco estudado e, pior, mal estudado. No entanto, parece haver consenso quanto ao aspecto
indianista da obra. Durão conseguiu mostrar o indígena brasileiro mais real que seu contemporâneo Basílio da Gama.
Os costumes das tribos brasileiras, a fauna e a flora são retratados com algum rigor, possibilitando uma visão razoável da realidade. As informações de que se vale Durão são atribuídas principalmente à História da américa portuguesa, de Rocha Pita. Encontra-se pelo
épico boas descrições de plantas, animais e de ritos indígenas, que elucidam muito claramente o que era o Brasil. É o que se vê no Canto VII, quando Diogo Álvares relata ao rei da França
as maravilhas do Novo mundo:
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XXXIII
(...)"
Trecho do artigo de Dílson César Devides sobre O CARAMURU de autoria de Frei José de Santa Rita Durão.

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