Cultura, para que você quer cultura?
Uma
sucessão de imagens do nosso passado recente do Brasil (a retrospectiva do ano
que passou) me fez enxergar o óbvio. Crime, violência moral, física e
psicológica, imoralidade, culto à baixeza cultural, tudo isso é consequência,
não é causa. Não é a massa que nos faz perder nossa identidade como povo. Não. É
o povo que, como tal, perde sua identidade e não é mais povo, transforma-se em
massa e faz essa diferença para pior, sempre para pior.
Porque
as músicas de “bundinha na garrafa”, os funks de “pula pula, filha da pula”, e
toda essa cultura do baixo nível sobressaí no cotidiano das pessoas? A resposta é simples. Desde que o mundo é mundo essa cultura esteve
sempre aí, porém nunca lhe foi dada tamanho domínio de tecnologia capaz de
alavancar sua difusão dessa maneira. A
culpa é da tecnologia? Não propriamente.
A culpa é da má consciência para com a tecnologia que usamos. E, é
claro, quanto mais nossa consciência estiver abaixo do nível de tecnologia que
usamos, mais explodirão mísseis nucleares, mais guerra, mais fome e, sem dúvida,
mais cultura de baixo nível proliferar-se-á.
E qual
seria o remédio (se é que há solução) para essa situação? No passado recente, havia subvenções
gigantescas para a cultura e o engrandecimento pela arte, por exemplo, por
causa da guerra fria. As nações
alinhadas com os EUA e a Europa Ocidental queriam mostrar sua superioridade
moral e cultural a todo custo; não só tecnológica e científica. O mesmo se dava do outro lado da extinta
cortina de ferro. Com o fim das
ideologias, tudo se transformou numa pasmaceira geral, onde ninguém reconhece
mais sua imagem em instituição nenhuma, em representante nenhum, em cultura
nenhuma. Todos querem os seus 15 minutos
de fama, seja como artista, político ou criminoso, dependendo do grau de
consciência de cada um; que, a bem da verdade, não diferem muito um do outro.
Alavancar
cultura, hoje em dia, significa muito mais do que estar ao lado da erudição ou
da cultura que se coloca como mainstream. Sempre foi assim, aliás. A verdadeira cultura sempre foi marginal, por
excelência. Porém na nossa atualidade,
há um perigo maior nessa marginalização. Porque, atualmente, vemos uma
atomização de todo e qualquer engajamento.
Atomização que se dá em grupos muito específicos e, falando de artistas,
para ficar no nosso meio, que se volta para o mercado com um nariz empinado
dizendo “não podem me comprar” e, no entanto, se vendem ao primeiro editor ou
gravadora que passa acenando com o sucesso rápido na internet, por exemplo. Ou, ao contrário, ligam-se a grupos de
extrema despersonalização autoral que nada mais são do que aparatos dessa
atomização. O que vemos é a difusão
máxima da inconsciência.
Essa
realidade talvez seja mudada quando percebermos que o enlevo pela arte não pode
se dar numa via de mão única. Não pode
ser apenas para a elite. A arte não pode
se travestir de recalques incompreensíveis para o grande público, mas não pode
baixar o nível para uma massa ignorante.
O equilíbrio entre uma compreensão maior do leitor e do espectador e a
independência como artista e livre pensador do escritor faz-se presente quando
há incentivo nos dois lados da conjuntura estética, a apreciação e a
criação. Porque o trabalho do artista só
está completo quando é visto, lido, degustado.
Por
isso é urgente que se valorize uma cultura ampla em todos os sentidos. Desde a apreciação até o desenvolvimento
criativo. Só assim, esse quadro de
baixeza moral e cultural pode ser revertido de alguma forma que não seja para
pior do que vemos no nosso passado recente.
Mauricio Duarte (Divyam Anuragi)