Questões múltiplas das artes
Nas artes visuais, artes gráficas e
artes plásticas existem questões que se entrelaçam. Dentre elas, a
criação ou processo criativo e a independência do artista como criador.
Kandinsky, em sua busca pelo transcendente no abstrato, já abordava
problemas semelhantes em 1929 quando afirmava sua visão sobre a relação
entre razão e sensibilidade como um projeto em dois tempos na
compreensão da própria arte: “Enquanto trabalho, a minha ‘cabeça’
silencia completamente. Mas além do trabalho pictórico ‘prático’,
dedico-me com muito prazer à teoria (...) Aquilo a que se refere
teoricamente e que com o tempo se compreende e do qual se apodera vem
naturalmente aplicado (de forma inconsciente) nos trabalhos futuros.”
Mas em que medida teoria e prática podem
concorrer para um único norte? Ou melhor, quanto mais distante do
Academicismo, mais próximo de uma evolução artística? Existe evolução
artística cronológica na história da arte?
O Academicismo, hoje em dia, ainda é, e
foi até mesmo durante o século XX, fundamental e permanente na atuação
artística. Podemos verificar isso ao ver que a ideia de que a instrução
na teoria da arte na formação de um artista continua sendo utilizada e,
talvez, supere as ideias antigas a esse respeito. O currículo
universitário moderno oferece aos estudantes uma vasta gama de recursos
teóricos e os prepara especificamente para o manejo da palavra e da
ideia para articulação, justificação e divulgação do seu trabalho
prático, incluindo uma série de disciplinas que os primeiros acadêmicos
jamais imaginariam incluir ou sequer vir a existir, como a psicologia,
sociologia, antropologia, semiótica e computação. Além disso e contra o
argumento de que a vida estudantil é uma e a vida de carreira
profissional é outra, toda a vasta produção textual sobre arte enfatiza a
necessidade de preparo intelectual do praticante. Também nenhum
crítico de arte sério, hoje em dia, nega a importância do exemplo de uma
dinastia recente de modelos consagrados como Picasso, De Kooning,
Warhol e Beuys que serviram e servem de inspiração para muitos outros
artistas.
É claro que a influência das Academias
de arte e do aprendizado formal diminuiu muito e podemos ver, com
frequência, um grande número de artistas auto-didatas com papel de
destaque nas artes e com a liberdade e a originalidade como vertentes
próprias das suas práticas, oriundas justamente de sua formação fora dos
cânones ou fora da guia de professores de arte, de acordo com as
próprias palavras desses mesmos artistas.
Historicamente, no Brasil, a estreita
ligação da arte acadêmica com o poder constituído trouxe o academicismo
nacional a um parâmetro de ato político, como um laboratório para a
formulação de importantes símbolos da identidade nacional e uma vitrine
para a sua divulgação. Essa arte, além de patentear a ilustração das
elites e auxiliar na educação do povo, funcionava como um instrumento
ideológico e um cartão de visitas para a inserção do Brasil numa ordem
capitalista internacional. Pouco ou nada isso mudou ao longo do tempo,
sendo que a ascensão do modernismo jogou na obscuridade os praticantes
do antigo academicismo por volta de 1950, mas o caráter reacionário e
elitista, perdura em muitos níveis, até os nossos dias.
A independência da arte e do artista
seriam conseguidos quando a obra artística se distancia da propaganda?
Alcançar significância social e desenvolver o componente estético podem
coexistir na obra de arte? De que modo o artista realmente independente
deve se portar com relação a subsídios governamentais e com a mídia em
geral para que seu papel seja relevante enquanto figura pública e
enquanto artista que deixa uma obra para a posteridade?
Essas questões fazem parte de um todo e
só podem ser analisadas e respondidas – se é que existem respostas – se
considerarmos a multiplicidade, a organicidade e a amplitude das artes
contemporâneas que se caracterizam também por uma sintonia fina com a
imaginação criadora, os movimentos sociais e a cultura e o conhecimento
transdisciplinar.
Mauricio Duarte (Divyam Anuragi)
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