Cosmogênese da plenitude
O bem e o mal e os seus antagonismos são
conceitos arraigados à nossa cultura e quando o maniqueísmo passou a
ser a tônica do pensamento religioso, isso tomou proporções
gigantescas. Porém é muito certo que o dualismo entre Deus e o diabo
existisse bem antes de Maniqueu e sua doutrina sincrética. Transitando
entre elementos do zoroastrismo, hinduísmo, budismo, judaísmo e
cristianismo, visava purificar as mensagens de cada uma dessas
religiões, apresentando uma verdade completa. Mas essa verdade não
podia ser plena, nem verdadeira, de forma nenhuma.
O mundo é feio, concordamos nisso?
Porque se fosse bonito, não haveria violência, guerras, genocídio,
suicídio, exploração, corrupção e toda sorte de males. Mas se Deus
tivesse criado as pessoas como mecanismos, rôbos ou escravos, o mundo
seria bonito, mas o homem sem significado. A escolha entre uma ação má e
uma ação boa tem que existir. Essa escolha está no cerne da liberdade
humana e também no cerne do respeito divino para conosco.
Uma árvore não tem escolha. Uma roseira
é uma roseira e ponto final. A árvore, bem como o cachorro, a
borboleta e todos os seres vivos irracionais estão predestinados, tão
embebidos com a própria existência, com a própria vida, que não podem
escolher. Não são livres. Nós somos livres, temos escolhas a fazer.
E a liberdade é a maior glória e a maior
agonia do ser humano. Segundo Osho, se um Buda não pode ser um Hitler,
se a própria possibilidade for negada, então o Buda é apenas uma
estátua, sem sentido. O fanatismo acaba com a dúvida e,
consequentemente, com a escolha. Você simplesmente segue o que uma
doutrina determinou, determina e determinará. Se você tem que seguir
ideias pré-concebidas que moldam seu comportamento e fazem você “ser
bom” de acordo com aqueles preceitos, então não há nenhum ponto nisso,
nenhum ganho nisso.
A cada decisão o ser humano pode fazer
opções, escolhas e aí reside sua plenitude. Plenitude que é
impossibilitada muitas vezes no nosso mundo. Porque há muito
investimento na dicotomia entre bem e mal na nossa cultura, apoiado pelo
capitalismo e pelo status quo como um todo. A lealdade é um artigo
muito caro para o sistema. Mas será que a lealdade é mesmo um valor a
ser tão preservado? Lealdade é próprio dos animais domésticos ou
domesticados, cachorros, cavalos e ovelhas. Ou é próprio de samurais,
soldados e guerreiros. Um ser humano é muito mais do que um animal
doméstico, sem querer menosprezar nem desfazer desses nossos amigos de
quatro patas. Inclusive no budismo, pode ser ensinado sobre Buda a um
animal. Um ser humano também é muito mais do que um samurai, um soldado
ou um guerreiro. Essas são profissões, atribuições, mas nem de longe, o
todo do homem. O ser humano pleno não pode ser leal a uma ideia, a um
sistema ou a um governante. No sentido em que me refiro à lealdade, isso
implica em tornar o homem fragmentado e é o que geralmente acontece na
maioria das vezes nas quais temos uma coerção ou uma sujeição a um
conjunto estabelecido de códigos ou a um grupo de soberanos.
O ser humano pleno pode atingir a
iluminação e tornar-se um Buda, um Krishna, um Cristo. A consciência
cósmica abarca os conceitos de dentro e fora, positivo e negativo, tempo
e espaço e... do bem e do mal. Deus é um dançarino mais do que um
pintor; sua obra está em curso, sempre em curso, nunca finalizada e
nunca separada Dele. A cada momento a história, a nossa história é
continuamente escrita e reescrita como na dança.
Saber-se em liberdade é justamente ter
consciência que o nosso mundo, a nossa realidade é criada por nós mesmos
a cada minuto, a cada segundo. Somos co-criadores da nossa felicidade
ou miséria, juntamente com Deus. E a plenitude é alcançada quando
estamos inteiros, com as partes positiva e negativa em conjunto,
traçando nossas experiências e vivências no fluxo da existência, aqui e
agora. Paz e luz.
Mauricio Duarte (Divyam Anuragi)
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