terça-feira, 5 de setembro de 2017

Pontas soltas



Pontas soltas

A narrativa das nossas vidas, por vezes, se apresenta com pontas soltas.  Será isto sempre negativo?  Será isto um defeito ou uma qualidade? Pode ser algo positivo?  Na verdade, uma narrativa inconsistente só demonstra o que temos que digerir de modo mais efetivo.  Níveis de informações, sensações, sentimentos que não foram devidamente deglutidos de maneira eficaz.
A durabilidade ou a não durabilidade das coisas que, hoje, parecem todas muito efêmeras, nos tornam diferentes, em certo sentido, dos nossos antepassados de alguns anos ou séculos atrás.  O virtual, por exemplo, pressupõe uma potencialidade infinita e fora da escala que estávamos acostumados com relação à própria mídia.  Cientistas dizem que o cérebro humano tem uma capacidade também quase infinita – ou infinita mesmo – de coletar e adquirir informações, dados, conceitos, definições, questionamentos...  Se é assim, não há nenhum problema em experimentar o digital, o virtual...  O problema só ocorre quando nos damos conta do volume de informações que recebemos ou com o qual temos que lidar, de algum modo, sem o tempo necessário para isto.  Tudo é para ontem.  Não há um tempo de reflexão, um tempo de meditação.  Daí que a narrativa de nossa vida, como nos bons romances, contos, filmes, peças de teatro e afins, precisa de tom e o tom tem relação direta com o timing, o tempo em que se diz, daquela maneira específica.  Como se diz, no tempo certo, a coisa certa.
Não é à toa que se coloca que o tempo de Deus é outro tempo, diferente do nosso.  O tempo do divino só se completa quando temos o correto discernimento do que ocorre.  Antes disto, não ocorre efetivamente e sentimos como se algo tivesse passado por nós, mas não nos apropriamos do sentido daquilo.  O sentido é palavra-chave e nos coloca no canto da parede com determinada questão ou situação que não se fecha.  A memória é outro ponto...  Nossa memória é extremamente seletiva.  Só nos lembramos do que vamos usar – de modos que não temos nem ideia, aparentemente – de algum jeito e em algum momento que trará o sentido que falta na nossa narrativa de vida.
As pontas soltas dessa história tem o seu sentido também.  Embora não aparente.  O acaso faz parte da realidade, da existência.  Uma existência sem acaso não é “viva” efetivamente.  É apenas uma “programação pré-definida”.  Por este motivo, talvez ou muito provavelmente, a arte contemporânea busque o acaso de forma tão frequente.
Busque o sentido na sua vida, mas não torne isto uma obsessão.  Nem tudo precisa ter sentido efetivo ou claro para nós.  A multiplicidade e a concomitância de várias narrativas e de várias histórias que acontecem ao mesmo tempo nunca foi tão abordada quanto hoje, de muitos modos diversos, na contemporaneidade.  Esta é uma chave para entendermos as pontas soltas – ou apenas vivenciarmos essas pontas soltas sem entendermos realmente, mas compreendendo que é um desígnio misterioso de Deus – que nos levará a uma vida harmoniosa e em confiança com o valor da nossa existência.  Paz e luz.


Mauricio Duarte (Divyam Anuragi)

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