domingo, 30 de março de 2014

Descoberta 5


 
Descoberta 5
guache e nanquim s/ papel
20 x 27 cm
2014
Mauricio Duarte (Divyam Anuragi)

O problema



O problema

Especial consideração eu tive
sobre aquele problema.
Passei horas mentalizando.
Julgando ou não-julgando,
refutando ou sendo receptivo.

O problema era a minha vida.
E a morte, essa sim, poderia ser uma solução.
Eu dizia prá mim mesmo
que isso não era possível.
Que a vida sempre é positiva e a morte, negativa.

Mas, inapelavelmente,
vinha o problema:
O que fazer?
Tornar-me inconsciente de novo,
esquecer o problema?

Isso não era mais possível
porque uma vez consolidado
um estágio de pensamento,
não voltamos atrás.
É uma condição existencial.

Por fim resolvi:
Pularia às cegas o precipício,correria o risco.
Nem que fosse para considerar
que a morte não pode ser um problema
e nem uma solução; a morte não pode ser nada disso.

Só a vida pode ser um problema
e uma solução ao mesmo tempo.
Porque é um fluxo, está aqui uma hora
e já está lá noutra hora.
Assim é, assim somos.

Mauricio Duarte (Divyam Anuragi)

quarta-feira, 26 de março de 2014

Tudo isso é povo



Tudo isso é povo

Se cochilar o cachimbo cai.
Se cachimbar cai no cochilo.
Se cair, o cochilo dá uma cachimbada.
Se o cachimbo cair, cochila?

Bandido bom, é bandido morto.
Bom morto, é bandido.
Bom, é morto bandido.
Bom é morto, bandido?

Não tenho tudo que amo,
mas amo tudo que tenho.
Não tudo que tenho, amo.
Mas tudo tenho, que amo?

Não sou dono do mundo,
mas sou filho do dono.
Não sou filho do mundo,
mas sou dono do filho?

Se conselho fosse bom,
não se dava, vendia.
Se vender fosse conselho bom,
não se vendia, dava?

Melhor um pássaro na mão
do que dois voando.
Melhor dois pássaros voando
do que um na mão?

Morre o boi
pro urubu comer.
Come o urubu
prá o boi morrer?

Água mole em pedra dura
tanto bate até que fura.
Pedra água em mole dura
tanto fura até que bate?

As afirmações populares
mostram-nos o lado cruel e negativo
e o lado bondoso e sábio,
ao mesmo tempo, do povo.

Dos pensamentos até as frases de efeito,
dos ditos populares até os chavões.
Tudo isso ronda a ideia popular,
tudo isso é povo...

Mauricio Duarte (Divyam Anuragi)
Membro da Ordem dos Poetas do Brasil

terça-feira, 25 de março de 2014

A raiva e a esperança



A raiva e a esperança

Nesse estado de coisas
a que chegou o nosso cotidiano,
só com raiva pode-se viver
porque da raiva vem a esperança.

Veja bem, da raiva contida, estagnada.
A raiva como um machucado com cascão
que já sarou, mas ainda inspira cuidados.
A raiva pelos problemas insolúveis,
aqueles que só mesmo Deus.

Mas se a raiva seca
como seca um rio antes de chegar ao mar,
não há mais indignação,
não há mais revolta,
nem tampouco rebeldia.

E o destino vem anunciar
a morte prematura daquele ser vivente.
Porque se sem raiva pode-se viver por um tempo,
sem esperança é que não se pode mesmo.

Mauricio Duarte (Divyam Anuragi)

domingo, 23 de março de 2014

Onde está a liberdade?



Onde está a liberdade?

Alinhavada a extensão do meu ser,
tracei novos rumos para a minha jornada.
Estabeleci metas, busquei parâmetros,
fiz esquemas, planejamentos, mapas,
fiz de tudo um pouco
para conseguir meu objetivo.

Esse intento era a liberdade
e eu poderia fazer qualquer coisa para consegui-la.
Por mais que eu ansiasse por ser livre
sempre me era negado esse direito.
Sempre a tive aos pedaços, nunca por inteiro.
Ou assim eu achava.

Tolo eu fui, o objeto do desejo já estava comigo
e só eu que não via.
Nenhum plano poderia fazê-la mais minha
do que já era.
Porque não se faz liberdade do nada,
tem que ser conquistada.

Mas essa conquista
não tem a ver com nenhuma exploração exterior.
Ao contrário, é a descoberta do seu espaço interior.
A alquimia do seu coração com a sua mente e corpo.
A liberdade da própria consciência,
a consciência da própria liberdade.

Mauricio Duarte (Divyam Anuragi)

sexta-feira, 21 de março de 2014

A merda no ventilador



A merda no ventilador

Aqui falamos de tudo
e de nada, ao mesmo tempo.
Aqui é a classe média brasileira.

Devem me desculpar,
por tão prosaico tema em poesia.
Busquei outros, mas nada me vem hoje.

Liguei e desliguei tantas vezes
aquele velho ventilador
que o aparelho pareceu afeiçoar-se a mim.
Olhava para mim como que dizendo:
desligue-me para sempre, aposente-me.

Liguei e desliguei
tantas vezes aquele treco,
o vento quente quando no verão
um vento frio, geladíssimo no inverno,
insuportável.

O eletrodoméstico olhava para mim
e eu olhava para ele,
tantas vezes
que eu já nem sei.
Acho que a máquina pedia por descanso.

Mas infelizmente eu não tinha outro.
Não podia me desfazer dele
Quiçá, algum dia, seria possível
comprar um circulador, quem sabe?
Enfim decidi-me: aos excrementos então.

Devem me desculpar pelo assunto besta,
na casa da classe média brasileira,
não tem ar condicionado.

Aqui falamos de tudo
e de nada, ao mesmo tempo.
Aqui é a classe média brasileira.

Mauricio Duarte (Divyam Anuragi)